quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Carta de Janeiro

Breves apontamentos entre o que passou e o que está por vir.

            Os últimos dois anos foram marcados por alguns acontecimentos que contribuíram para a organização e luta dos trabalhadores. É válido ressaltar que essas lutas não vieram do nada, mas sim a partir do processo de precarização da vida, ou seja, das péssimas condições de trabalho, estudo, saúde, transporte, etc. Dentre elas, podemos citar: a greve em 2012 das Universidades Federais - por parte do movimento docente, e também dos estudantes, através do Comando Nacional de Greve Estudantil (CNGE) -; a greve dos funcionários públicos federais, reivindicando aumento salarial; e as manifestações que iniciaram em junho/julho de 2013, com um número expressivo de pessoas nas ruas das diversas cidades do país, inicialmente contra o aumento da tarifa do transporte público, mas que logo se estenderam para pautas mais gerais como melhorias na saúde, educação e segurança.
No caso da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), é perceptível o processo de precarização ao qual nos referimos anteriormente. O corte orçamentário de 2014, através do decreto 14.710/13 (Decreto Tesoura), demonstra que o presente ano já começa com o semestre letivo ameaçado. A UEFS necessitaria de R$ 272 milhões, mas com o decreto, o projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA) prevê apenas R$ 224 milhões. Destes, R$ 172,48 milhões estão destinados ao pagamento de pessoal e encargos; R$ 33,6 milhões para manutenção; R$ 11,2 milhões para atividades finalísticas; R$ 4,48 milhões para projetos acadêmicos; e R$ 2,24 milhões para obras e reparos. Poderíamos até pensar que, em números, esses repasses financeiros são suficientes, mas isso já se mostra incorreto ao pensar que as obras para ampliação do Restaurante Universitário e construção do Pavilhão de Aulas (PAV) custarão aos cofres universitários cerca de R$ 12 milhões, sendo que apenas os R$ 2,24 milhões anteriormente citados estão destinados a tais fins. Ou seja, se o dinheiro é insuficiente para esta obra em específico, pensemos então quanto seria necessário para custear as necessidades de cada curso.
Mas o que justifica esse processo de retirada de investimentos para a educação?
Inicialmente podemos perceber que posicionamento o Estado assume: frequentemente precariza os direitos básicos da maioria da população, em prol dos grandes eventos esportivos no Brasil (copa do mundo e olimpíadas), que só geram benefícios às grandes corporações e aos empresários.
Desta forma, podemos entender porque, no período entre 2010 e 2013, o repasse do governo federal para investimentos em 9 dos 12 estádios para a copa do mundo foi tão exorbitante, em contra partida, os estudantes da UEFS brigam anualmente por maiores repasses financeiros para a participação nos Jogos Universitários da Bahia (JUBA), além da cotidiana luta por melhorias no parque esportivo, que por vezes inviabiliza tanto as aulas do curso de Educação Física quanto a prática esportiva, essa mesmo tão propagandeada pela grande mídia defensora dos meganegócios esportivos.
            Em 2013, durante a copa das confederações, constatamos a insatisfação com a política adotada pelo Estado e seus governos que priorizam o enriquecimento de uma minoria (as empreiteiras, setores imobiliários e confederações esportivas) em detrimento das necessidades reais (saúde, educação, moradia, lazer e etc.) da população. Em resposta a essa condição e na tentativa de alterar o cenário político, a população foi às ruas para reivindicar seus direitos e as centrais sindicais organizaram paralisações. Em 2014, mais um grande evento acontecerá, a copa do mundo, e mais uma vez as contradições se colocam de maneira latente: a FIFA e as grandes construtoras receberam isenção de impostos para desenvolverem suas atividades no país, o que significa deixar de receber impostos que seriam destinados à Saúde e Educação, garantindo assim mais lucros às grandes empresas.
            Em 2014, ocorrerão as eleições. Muitos conservadores e a grande mídia difundem esse processo como a única maneira de mudança nas decisões políticas e resolução dos problemas sociais do país, porém, aqui gostaríamos de problematizar quantas e/ou quais mudanças profundas vimos através das eleições. Assim, resgatamos a história para demonstrar que grandes transformações no Brasil ocorreram com mobilizações de ruas e greves gerais com os trabalhadores organizados, a exemplo da década de 80, em que o país passou pelo processo de redemocratização com a participação intensa da população nas decisões políticas daquela época.  Em menor grau, porém não menos importante, vimos que as mobilizações com uma grande quantidade de pessoas podem mudar rapidamente o cenário político: logo quando se iniciaram as mobilizações de junho, os governos e patrões ressaltavam que não poderiam baixar as passagens, pois o Estado estava em crise. Contudo, a pressão gerada nas ruas com a luta direta fez com que a situação, o discurso e as ações mudassem, o que proporcionou a efetivação de alguns ganhos importantes, em relação à pauta do transporte, a exemplo de Goiânia, com a conquista do passe livre estudantil. Ainda assim, destacamos que todo ganho é pouco, uma vez que pode ser uma maneira de “conciliar” interesses distintos e acalmar as crescentes mobilizações.
            Avaliamos, assim, que 2014 será um ano complexo e rico no que diz respeito às lutas sociais. Elas também perpassarão a Educação e a Universidade, direta ou indiretamente, e devemos estar preparados para intervir na realidade de forma organizada, para que possamos alterá-la, em busca de uma sociedade justa e igualitária. Precisamos ainda deixar de pensar que a única maneira de transformação social é o nosso voto e a acomodação, esperando que os governos em seus cargos no Estado defendam os nossos interesses (o que não acontecerá), ou aguardando que outros tomem a iniciativa sobre o que nossa tarefa enquanto seres humanos ativos no processo de construção da nossa vida.
            E, portanto, podemos nos questionar: o que nós, estudantes, temos a ver com tudo isso? Temos a tarefa de compor as lutas por melhorias em nossos cursos, onde nos faltam laboratórios, materiais didático-pedagógicos, acervo na biblioteca, condições de permanência estudantil, residências universitárias suficientes. Devemos buscar pela manutenção da Universidade pública e de qualidade, como aqui avaliamos de suma importância a busca pelos 7% da RLI no âmbito estadual em conjunto com os professores e técnicos administrativos. E, num âmbito mais geral, precisamos nos colocar ao lado da maioria da população, nos reconhecendo enquanto futuros trabalhadores, que precisam de melhorias nas condições de saúde, educação, moradia, segurança, etc. Os reflexos da luta política aparecem na universidade, mas não são somente pertencentes a ela.





Coletivo Lutar e Construir
Feira de Santana – BA
Janeiro de 2014