As três últimas
semanas não passaram desapercebidas no calendário nacional. Desde a terça-feira
(11) – marcada pela truculência da polícia paulistana em cima dos mais de 5 mil
manifestantes que foram às ruas pedir a redução da tarifa do transporte, além
do apoio da mídia à repressão e manutenção desta dois dia depois (13) agora em
20 mil manifestantes – uma onda nacional de manifestações tem ocupado grande
parte dos centros urbanos e sido comentadas nos noticiários oficiais e nas
redes sociais, ora com críticas incisivas ora com aclamações. A pauta inicial?
A redução da tarifa do transporte público que, seguindo a regra clássica de
mais lucro ad infinitum nas mãos dos empresários, aumentou em várias
cidades, em média, 0,20 centavos. Que não era apenas pelos 0,20 centavos, os
manifestantes deixaram claro desde o primeiro momento. O debate mais amplo, sobre
mobilidade urbana, animado pelo Movimento pelo Passe Livre (MPL) em alguns
lugares e por Frentes Contra o Aumento da Passagem em outros, envolve desde
financiamento dos serviços públicos até planilha de gastos e prioridades,
passando ainda pelo papel que o Estado deve cumprir diante de demandas como
moradia, saúde, educação e, claro, transporte público.
As manifestações em
São Paulo e Rio de Janeiro fortemente reprimidas, foram o fato político que
serviu como mote para a deflagração de protestos que ocorreram a nível nacional
acerca da problemática das altas tarifas do transporte público. O aumento das
passagens dificultou a vida de vários estudantes e trabalhadores que sim,
sentiram a dificuldade de pagar vinte centavos, mas muito mais que isso, cansaram
das imposições da burguesia em sua ânsia por lucro. Em Fortaleza, Feira de
Santana, Salvador, São Paulo, Porto Alegre, Curitiba e outras cidades,
acompanhamos e construímos a luta contra o aumento das passagens, bem como
outras revindicações que levaram a população às ruas. Entre elas, com uma
grande expressão, os impactos da copa no Brasil, como os despejos e os
investimentos públicos em locais que não são prioritários para a população,
como em saúde e educação.
E a violência nas manifestações?
Ouvimos bastante
sobre a tal violência das manifestações. Essa palavra que nos remete quase
diretamente a roubos, assassinatos, tráfico de drogas (que se passam
majoritariamente na periferia das cidades grandes devido à desigualdade social
gerada pelo capitalismo) deve ser mais bem compreendida, diferenciando o que
chamamos nós de violência, e o que os aparelhos da classe dominante (como a
mídia) chamam de violência.
O que seria matar 1
bilhão de pessoas por falta de alimentos e 25 milhões por se alimentarem de
comida ruim enquanto a humanidade já produz o suficiente para alimentar 12
bilhões de pessoas, senão uma forma extrema de violência? Trabalhadores são violentados cotidianamente
para gerarem lucro aos seus patrões todos os dias. Essa, a violência, é
necessária para que os exploradores dominem os explorados. Mesmo a república
burguesa mais democrática é um grande instrumento dos dominantes sobre os
dominados, que ora se apresenta aparentemente de forma mais consensual, mas
também atua repressivamente quando necessário.
Ficou claro nas
últimas semanas como o Estado continua desempenhando seu caráter classista, exercendo
todo o seu poder para garantir os interesses de quem de fato manda no país, a
burguesia. Ficou claro também que seu papel não é a neutralidade entre as
classes, fazer a simples “mediação” entre elas,
mas que seu caráter já é por si só repressor e dominante. Não faz
diferença significativa quem está sentado na cadeira da presidência ou em seus
outros níveis burocráticos, a ordem geral é “manter a ordem”.
Assim, vimos que o
Estado tem utilizado todos seus aparatos – militares e ideológicos - para usar
o cenário de protestos a seu favor e, quando necessário, reprime brutalmente a
população, principalmente nas manifestações em cidades onde ocorrem jogos da Copa
das Confederações. No último dia 20 de Junho, quando mais de um milhão de
pessoas fizeram a manifestação no Rio de Janeiro, foram reprimidos pela tropa
de choque em meio a uma avenida às escuras, com as luzes dos postes apagados.
Isso mostra como o aparelho repressor (a tropa de choque) estava em sintonia
com o governo e com a iniciativa privada (na figura da Light, companhia
elétrica do Rio). Isto sim é uma enorme violência!
“Movimento sem organização”? Pra quem serve
a ‘neutralidade’ do movimento...
Se é verdade que há
anos não víamos tanta gente nas ruas do país nem tamanha multiplicidade de
pautas que vão, atualmente, desde “Fora Corrupção” a posições contrárias aos
investimentos exorbitantes para a Copa do Mundo de 2014 feito pelo governo
federal, é verdade também que a sensação que nos chega junto com a onda de
mobilizações é a de um terrível soco no estômago. Na medida em que avançava em
número, criou corpo e voz dentro das manifestações gritos de ordem do tipo
“Fora Partidos” ou “O povo unido governa sem partido”, chegando, inclusive a
ocorrer agressões físicas à militantes que insistiam em levantar suas
bandeiras. Alegando-se via redes sociais se tratar de um movimento
“apartidário” e na perspectiva de “evitar oportunismos”, o movimento ganha
máscaras, perde o colorido e paulatinamente fica marcado por uma onda verde e
amarela que, ao som do hino nacional, rechaça, renega e rasga qualquer bandeira
em tom vermelho. A esquerda aturdida, confusa e muito pouco preparada de modo
geral, se colocou a resistir da forma que pôde. Mas é preciso compreender,
antes de tudo, que isso tem uma razão de ser.
Muito dizemos sobre
o ciclo de lutas do qual o PT foi protagonista e que marca na classe
trabalhadora a apatia, a falta de envolvimento político, a passividade, entre
outros. O conteúdo dessa forma é também construído socialmente nesses últimos
anos e expressa a ideologia burguesa de diversas formas. Vemos hoje nas
manifestações tentativas sinceras de mudança
de “algo que está errado” e na aparência disso, acaba-se chegando também
a pautas que aparentemente mudam as coisas, mas na verdade acabam mantendo a
sociedade exatamente como está. Assim,
percebemos uma onda conservadora - já que não questiona mudanças radicais - que
está parasitando as mobilizações. Ainda, vemos uma pequena burguesia pautando
as mobilizações para seus objetivos políticos que se apresentam de forma
caótica, mas no plano de fundo é o mesmo: a necessidade de um lugar no Estado
burguês.
Dito isso, nesse
interim da criminalização das movimentações através de uma onda de pacifismo
que cercam as mobilizações, o Estado democrático e popular utiliza-se de
diversas formas para criminalizar os movimentos e organizações de esquerda.
Exemplo disso, é a grande mídia: primeiramente criminaliza as manifestações,
afirmando os protestos contra o aumento das tarifas e à copa como violentos; já
num segundo momento, se coloca como apoiadora das movimentações, enfatizando
que a grande maioria quer uma manifestação pacífica e quem está causando toda
violência são os vândalos (muitos deles policiais infiltrados): afirma assim,
que a culpa da violência é sempre de um
"pequeno grupo de arruaceiros" e que o movimento em si é importante,
é o “gigante acordando”.
A luta histórica de quem nunca dormiu
Por mais que exista
o discurso de que o “gigante acordou”, há aqueles que há tempo estão acordados,
na luta pelo direito e emancipação dos trabalhadores. Os movimentos de
esquerda, mesmo com toda repressão e políticas de cooptação da direita, não se
retiram da luta. Lutamos! Seja por pautas econômicas e imediatas – necessárias
e fundamentais na luta de classes -, seja pelo horizonte histórico em defesa da
nossa classe. Em momentos de repressão, como no governo Vargas e ditadura
militar, os movimentos de esquerda não negaram suas bandeiras. Sabemos que não
foi de uma hora para outra que conseguimos o direito de livre organização
politica!
Sabemos que não foi
de uma hora para outra que conseguimos o direito de livre organização politica.
A história nos mostra que a bandeira vermelha é um símbolo mais que necessário
e que expressa essa luta dos que sempre se mantiveram acordados. O vermelho é a
cor da bandeira francesa pintada com o sangue dos trabalhadores que foram brutalmente
atacados pela burguesia, quando esta assumia o poder na revolução do século
XIX. As bandeiras representam o movimento de luta da classe trabalhadora e, por
isso, não podemos jamais baixá-las!
Existem indivíduos
que constroem suas organizações há muito tempo, que entendem que a mudança da
sociedade passa, necessariamente, por militantes organizados que pensam e agem
todos os dias na destruição desta sociedade e na construção de uma nova. Não
descartamos a existência de partidos que irão tentar tomar proveito da situação
para agitar suas bandeiras eleitoreiras, que só buscam a autoconstrução de
indivíduos pontuais (e não da sociedade), estes são os oportunistas. Mas não
difamemos aqueles que estão ali como companheiros, vamos buscar entendê-los e
perceber que não estão nas manifestações para tirar proveito no momento
oportuno das eleições burguesas, os revolucionários organizados não acreditam
na democracia burguesa, a utilizam (ou não), como uma ferramenta para
construção de um projeto muito maior, o Socialismo.
Aos que hoje
acordam precisamos esclarecer tudo que ocorreu e que viemos fazendo ao longo
desse tempo de sono tão profundo. A luta contra a ditadura nos anos 70, as
greves de diversas categorias na década de 80, a luta contra as privatizações da
década de 90 e diversas outras, trouxeram conquistas históricas para a classe
trabalhadora. Em 2012, houve a maior greve de todos os tempos das Universidades
Federais e de inúmeras categorias do Serviço Público Federal. O próprio MPL,
que iniciou os atos contra o aumento da tarifa, já existe há oito anos e nesse
período sempre se colocou em luta, mesmo com tantos outros adormecidos.
Afinal, a qualidade
de questões como Transporte, Saúde e Educação é fundamental para que possamos
viver com mínimas condições. As lutas travadas ao longo da história pela
conquista dessas direitos para os trabalhadores mostra que se ficarmos parados,
cada vez teremos menos.
Toda essa
mobilização coloca em evidência contradições do próprio capitalismo: com ele
desenvolvemos inúmeras tecnologias a fim de plantar, vestir, transportar mais e
melhor, entretanto, em nome do lucro da burguesia, só temos acesso a essas e
outras produções sociais da humanidade a custos muito altos, e assim somos
impedidos de ter qualidade em aspectos fundamentais de nossas vidas! Há
precarização e destruição dos serviços públicos, ao mesmo tempo em que há
priorização de investimentos em empresas privadas. Há a precarização e a
destruição dos serviços públicos, há a priorização de investimentos em empresas
privadas. Há, porém, passividade transformando-se em atividade. Quem está nas
ruas hoje, está aprendendo na prática da vida que não se mexer não significa
apenas ficar no mesmo lugar, mas perder cada vez mais. Ir pra rua, reivindicar
melhorias, questionar o que está colocado é um importante aprendizado para
todos nós! Ainda temos muito a avançar,
mas, sem dúvidas, esse processo mostra a necessidade de organização da esquerda
e de mobilização da população em geral. Aquilo que tanto afirmamos vem ficando
mais palpável: só a luta muda a vida! É em movimento e de forma organizada que
conseguimos conquistas reais, com passos firmes rumo a superação dessa
sociedade!
Material produzido pelos coletivos Contra-Corrente,
Lutar e Construir, Outros Outubros Virão e Resistência
Socialista através da Articulação Nacional (AN). A AN é uma articulação
entre coletivos do Movimento Estudantil que busca potencializar nossa
organização, buscando alternativas de discussão e atuação para além das
entidades nacionais que se colocam hoje. Fazemos a troca de debates, de formas
de atuação, de análises e formulações, visando interferir de maneira conjunta e
qualificada no ME nacional, priorizando o trabalho de base nos locais de estudo.
É importante salientar que a AN não se propõe a ser uma entidade, mas um espaço
qualificado de debate e aprimoramento das ações.
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