“[...] Lá no passado tínhamos um futuro
Lá no futuro tem um presente
Pronto pra nascer
Só esperando você se decidir.
Porque são tempos de decidir,
Dissidiar, dissuadir,
Tempos de dizer
Que não são tempos de esperar
Tempos de dizer:
Não mais em nosso nome
Se não pode se vestir com nossos sonhos
Não fale em nosso nome! [...]”
(Mauro Luis Iasi - Dissidência ou a arte de dissidiar)
Crescemos em nossa sociedade apreendendo, de forma hegemônica, que o Estado é a instituição capaz e responsável pela garantia dos direitos da população e de conciliar das classes sociais existentes (burguesia e proletariado), de forma que os interesses de ambas sejam garantidos sem que haja acirramento da luta entre elas. Entretanto, o Estado é fruto do antagonismo inconciliável entre as classes, que possuem por natureza interesses distintos, tornando impossível a conciliação entre elas. Nesse sentido, partimos da concepção de que o Estado é classista, no sentido de atender os interesses dos dominantes, o que já demostra a existência da submissão de uma classe em relação à outra. Portanto, atua na manutenção da “boa” ordem social, para manter uma falsa conciliação entre as classes, marcada pelos interesses distintos e contradições camufladas.
A demonstração disso, é que nos últimos anos, em vários países do mundo, foram injetados trilhões dos cofres estatais para a recuperação de grandes empresas capitalistas. Aqui no Brasil, no ano de 2011, apenas o BNDES disponibilizou para a iniciativa privada nada menos que R$ 139 bilhões! A longo prazo e com juros baixíssimos. Não bastando essa pequena quantia “emprestada”, os gastos para a copa do mundo de 2014 e Olímpiadas de 2016 vão somar cerca de R$ 970 bilhões! Garantindo lucros exorbitantes principalmente para as empresas da construção civil. Além disso, o Estado brasileiro vem gastando cerca de 1 trilhão de reais para o pagamento dos juros das dividas interna e externa.
Em contrapartida, a educação, em todos os níveis, vem sendo cada vez mais precarizada. São sucessivos cortes de verbas realizados pelo governo federal, o que contribui para a deflagração no ano passado da maior greve das instituições federais dos últimos tempos. No âmbito estadual, a lógica não é diferente, a verba destinada as Universidades Estaduais da Bahia (UEBA) são tão escassas, que correu-se o risco de nem iniciarmos o semestre em 2013.1.
O sucateamento destas instituições é expressa também nas péssimas condições de trabalho e maior exploração dos trabalhadores da educação. Os docentes das UEBA estão em negociação com o governo do estado a cerca de seis meses, marcadas por propostas que até então não representam ganhos substanciais para a categoria docente, tendo como principal empasse a proposta do docentes de reajuste salarial de 14% pago de forma parcelada nos meses de maio e setembro de 2014, sem prejuízo da perda inflacionária (reajuste linear) relativa a 2013, sendo que a proposta do governo é de apenas 4%. O movimento docente nas últimas semanas encaminhou um documento ao governo com as propostas consensuais e as que ainda não são consenso, e aguardam a resposta dos representantes do estado, que estão protelando cada vez mais esse diálogo. A luta das Associações Docentes (ADs) se torna isolada, pois outras categorias do movimento sindical, vinculados à Força sindical, CTB e CUT, acataram o furto de quase metade da reposição da inflação no salário dos trabalhadores.
Além dos professores não encontrarem apoio em outras categorias, o movimento estudantil se encontra desmobilizado, não conseguindo articular suas pautas para contribuir efetivamente com sua própria luta, assim como, para a luta docente e dos servidores técnicos, já que essa também é uma importante tarefa dos estudantes enquanto trabalhadores em formação. A constatação de que a categoria estudantil está desmobilizada se dá na simples pergunta: Quais dos 28 cursos da UEFS encamparam alguma luta recentemente? De fato apenas os cursos de Educação Física, Engenharia Civil, Odontologia, Medicina e Administração se mobilizaram nos semestres de 2012.2 e 2013.1. Todavia, essas lutas foram por pautas específicas e apenas o curso de odonto entrou de fato em greve e contribuiu para um ato unificado com outros cursos.
Enquanto passamos por um esdrúxulo processo de formação, com precarização e sucateamento das universidades o movimento estudantil dilata-se em pautas imediatistas. A gestão atual do DCE começa da mesma forma que a anterior começou: tocando a pauta das cantinas. Demostrando ser verdadeiro que a história se apresenta duas vezes, na primeira vez como tragédia e na segunda como farsa. Entendemos que não é central por não se articular com a principal possibilidade de alimentação dentro da universidade, o Bandejão. O caráter reformista que a luta vem tomando, resumindo-se apenas ao boicote às cantinas ou ao fim do monopólio, continua garantindo que este serviço seja terceirizado ao invés de ser estatal.
A imediaticidade dá algumas respostas específicas, o que parece ser uma lógica plausível, sobretudo, desviam o foco da luta concreta dos estudantes e da inserção direta na base estudantil. Isso se dá, muito pelo constante praticismo e pela falta de um aprofundamento teórico que possibilite a analise da essência dos fenômenos, do contrário, continuaremos buscando respostas imediatas ficando apenas no campo da aparência. O desvio da luta concreta dos estudantes se dá também na equivocada ação de alguns grupos políticos da UEFS que recentemente fizeram eleições para tiragem de delegados para a 53º congresso da sucumbida União Nacional de Estudantes (UNE). A tiragem de delegados foi tão despolitizada quanto os congressos e espaços da UNE. Não tivemos debates e os estudantes não sabiam da ocorrência dessas eleições, nem tão pouco do congresso. Isso ficou expresso com a pífia quantidade de votos: Chapa 1 - bloco na rua (78 votos); chapa 2 - Rebele-se na une (312 votos); e chapa 3 - A une somos nós (359 votos).
Esses grupos políticos continuam disputando essa falecida entidade, que há cerca de 20 anos não contribui para a luta dos estudantes, e pior, tenta impedí-los de lutar fazendo acordos junto ao governo e funcionando como um verdadeiro ministério do movimento estudantil, com efetiva participação na implementação das políticas de Estado que sucateiam e precarizam a universidade, e que nos ataca diretamente. Entendemos que a UNE é um espaço reacionária, governista e indisputável. Isto redunda na falta de aprofundamento teórico dos grupos em questão.
A UNE é indisputável por estar totalmente burocratizada, e mesmo que outro grupo político tome a direção da União da Juventude “Socialista” (UJS-PCdoB), que está a mais de 20 anos no poder, não conseguirá fazer essa entidade retornar as lutas. O próprio processo de tiragem de delegados contribui para essa burocratização e por vezes balizados por acordos entre coletivos, se distanciando da base estudantil. Os delegados e a UNE aparecem como representantes dos estudantes sem que os estudantes participem da construção dessas pautas e se reconheçam nelas, reforçando o vício da representatividade, se vestindo de “boa” democracia, falando pelos estudantes e não com os estudantes. Basta! “Se não pode se vestir com nossos sonhos, não fale em nosso nome!”
Reconhecemos que existem camaradas de luta que disputam a UNE e que disputam estudantes dentro desta, no entanto, essa disputa faz com que esses coletivos se amoldem à estrutura da burocracia democrática popular, desgastando energias militantes fundamentais para a luta concreta, sendo que por fora da UNE podemos garantir a conquista de muito mais estudantes e com mais qualidade.
Diante do exposto, não negamos a importância de uma entidade nacional que aglutine e faça a luta com os estudantes, no entanto, esta entidade não é a UNE nem tampouco outra entidade atual. Não podemos nos precipitar, é necessário voltarmos à base estudantil para que das mãos dos estudantes surja uma nova entidade. O Coletivo Lutar e Construir tece críticas à atual prática do movimento estudantil: o praticismo, a representatividade, imediatismo, a falsa unidade, a exacerbação da luta institucional, o recuo da teoria, que são frutos do velho ciclo de lutas da classe trabalhadora, denominado como ciclo PT. Nesta acepção, é fundamental tomar por base os erros, para não recairmos nos mesmos, é necessário Lutar pela superação para Construir um novo ciclo.
Coletivo Lutar e Construir
Feira de Santana – BA
20/05/2013
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