Novas Copas, Velhos Campeões
De acordo com a FIFA, a grande festa do esporte
retorna ao país do futebol. A entidade proclama que durante a Copa do Mundo,
todos os brasileiros andarão “Juntos em um só ritmo”. Entretanto, o que
justifica que 1,5 mil policiais com sua cavalaria armada removam 6 mil famílias
dos entornos dos estádios do RJ¹? Que 8 operários percam sua vida nas obras dos
estádios?² Que 250 mil pessoas percam suas casas sem pagamento das devidas
indenizações?³ Ao que parece, muitos brasileiros estão em um ritmo bastante diferente
da entidade internacional do futebol.
Por um lado, a Copa do Mundo aparece ao Brasil
enquanto uma possibilidade de vitória para a nação, além de um benefício para a
infra-estrutura do país. Aparece enquanto a prática saudável do esporte
proporcionando diversão e lazer para a totalidade dos brasileiros: super-homens
que atingem as capacidades de desempenho e de performance esportivas – força,
velocidade, superação de limites físicos, etc. – inimagináveis pelos
não-atletas; vemos equipamentos e materiais da mais alta e avançada tecnologia
sendo produzidos.
Por outro lado, vemos a degradação da natureza
explicitada por gigantescos elefantes brancos, na infra estrutura urbana, ou na
exploração da força de trabalho de operários da construção civil, que precisam
cumprir prazos, metas e projetos sob as piores condições de pressão, com
direitos trabalhistas irrisórios, sem condições de trabalho e salários.
Ao lado disso, vemos a destruição de vidas inteiras por conta de anos de
treinamento desportivo ou pelo uso de substâncias químicas; vemos também a
utilização da força de trabalho de atletas ser sugada até as suas últimas
reservas.
Ao analisarmos este outro lado, entendemos toda a
lógica que está por trás dos megaeventos esportivos: O importante é gerar mais lucro
às empresas que irão patrociná-los (A FIFA estima o lucro de, pasmem, 10
bilhões de reais) enquanto o Estado paga 85% dos gastos. Por meio de obras
gigantescas, vendas de imagens dos jogadores, materiais esportivos e álbuns de
figurinhas os empresários se lambuzam com os lucros provenientes do megaevento
esportivo.
Mas por que isso acontece? A copa do mundo não
passa de um reflexo de outros elementos presentes em nossa sociedade. Não é à
toa, por exemplo, que operários das obras da copa não tinham acesso à moradia e
estavam expostos a péssimas condições trabalhos a ponto de 8 deles morrerem. A
estes trabalhadores, assim como à imensa maioria da população, não resta outra
possibilidade para sobreviver senão vender suas forças de trabalho para quem
pode comprá-la. Estes últimos, que detém os meios necessários para produzir a
vida em sociedade (máquinas, fábricas, etc) são a Classe Burguesa; Esta classe
vive às custas da exploração do trabalho daqueles primeiros. A Odebrecht,
construtora de quatro estádios da Copa, teve lucro líquido de 490 milhões em
2013, enquanto às famílias dos operários mortos resta somente lamentar suas
perdas.
Vivemos em um cenário em que os trabalhadores
precisam trabalhar muito para garantir o sustento de suas famílias. Um momento em
que o tempo livre, bastante reduzido, é usado para repor as energias gastas com
o trabalho ou tentar qualificar sua força de trabalho (escola, universidade)
para poder vendê-la por um pouco a mais futuramente, visando a melhoria da
qualidade de vida da família. As mudanças que ocorrem caminham no sentido de
retirar direitos historicamente conquistados pela classe como: jornada de
trabalho de oito horas, férias remuneradas, garantia à aposentadoria; as horas
extras tornam-se centrais para manter o salário necessário para o trabalhador,
etc.
Esse cenário não ocorre à toa. Não é produto do
destino e nem proveniente das idéias de um grupo especial de pessoas que
planejaram fazer a sociedade funcionar assim. É, ao contrário, produto da
organização da classe trabalhadora durante um longo período no Brasil, através
do PT e sua estratégia, o Projeto Democrático e Popular.
No fim da década de 70 os trabalhadores brasileiros
começam uma ascensão reivindicatória como resposta às pioras de condição de
vida da classe naquele período. Ocorrem grandes greves nas regiões fabris –
agora a classe trabalhadora têm uma nova forma de lutar que coloca em prática.
Agora o projeto da classe para tentar garantir seus direitos é, não só através
das mobilizações de massas, e aqui vemos os grandes braços do PT, a CUT, MST,
UNE, mas também da luta institucional, na ocupação do Estado pelos
trabalhadores para a construção de reformas que beneficiem a classe e rumem a
uma transformação da sociedade, o Socialismo.
Nesse período, os dirigentes sindicais estavam
junto do trabalhador do “chão da fábrica”, ao lado do camponês, viviam o
cotidiano de seu trabalho e estavam junto dos seus colegas. Ao ocuparem cargos
estatais para garantir as reformas públicas eles não só se distanciam dos
trabalhadores como tiram deles a resolução dos seus problemas. Agora o
trabalhador constrói seu projeto político votando na pessoa que fará por ele.
Agora os movimentos sociais são cooptados e utilizados como manobra para
garantir as reformas que o governo pretende por em prática. Mas essas reformas,
que poderiam potencializar a condição de vida do trabalhador, perdem seu
caráter, pois nesse projeto político construiu-se uma aliança com o
empresariado, que visa aumentar suas taxas de lucro e, portanto, aumentar a
exploração dos trabalhadores. As reformas agora atendem ao interesse dessa
classe em detrimento dos trabalhadores. Vemos assim a cada vez maior exclusão
dos direitos do funcionalismo público, da garantia das horas de trabalho e ao
invés de melhorar a condição de vida dos trabalhadores, vemos o incentivo ao
crédito para o empresário e a garantia de investimentos públicos monumentais
para os donos de grandes capitais, como a Copa do Mundo.
A classe não vive só dessa proposta política. Ela,
ao não dar respostas à realidade, começa a ser negada e os trabalhadores
começam expressar alguns traços de inconformidade. Estamos presenciando um
momento em que a incoerência do ciclo de lutas encabeçado pelo PT começa a
demonstrar sua insustentabilidade e a ascensão de uma nova forma de fazer luta
desponta no país. Nos últimos anos ocorre um crescimento do número de greves no
Brasil, é o trabalhador se colocando como protagonista do seu interesse. E ao
mesmo tempo em que esse ciclo de cooptação do trabalhador definha grandes
eventos que desmascaram o papel do Estado acontecem.
A exemplo disso, para caracterizar a despreocupação
e truculência despendidos com os trabalhadores, citamos o recente ocorrido com
os moradores da favela Metro-Mangueira, situada próxima ao estádio do Maracanã,
onde mais de mais de 500 familias foram expulsas de suas casas e tiveram-nas
demolidas para, segundo a Prefeitura da cidade, construir um centro comercial e
áreas de lazer. Podemos ainda relembrar o caso dos moradores da região do Engenho
Novo, Zona Norte do Rio, em que 80 militares e 1,5 mil policiais desabrigaram
mais de 8 mil trabalhadores, situação que foi marcada por uma série de tumultos
e ações violentas. Essas remoções forçadas têm representado uma calamidade para
diversas famílias brasileiras. Desde o início das obras para a Copa do Mundo,
estima-se que 250 mil pessoas estejam passando por despejos relacionados às
construções para o evento. Nota-se, com isso, que o real interesse do governo é
entregar as terras e a força de trabalho do proletariado brasileiro ao mercado
e seus projetos, deixando os empresários enriquecidos e a classe trabalhadora,
desvanecida.
O papel dos Megaeventos no Brasil, e em todo o
mundo, está articulado à forma de organização da sociedade capitalista e condiz,
obviamente, com os interesses da classe dominante. Esta sociedade baseia-se na
apropriação individual do trabalho coletivo onde os burgueses, donos dos meios
de produção (fabricas, terras, matérias primas etc.), apropriam-se das riquezas
produzidas pelos trabalhadores. Periodicamente esse sistema passa por crises de
superprodução de mercadorias onde a tendência é a queda da taxa de lucro devido
à falta de mercado consumidor para os seus produtos, por isso, o capitalismo
por sua natureza tende a ser expansionista, ou seja, sempre tentará buscar
novos locais/mercados para que o ciclo da mercadoria possa ser realizado.
Diante desse quadro, os megaeventos cumprem um
papel fundamental que é possibilitar a circulação do capital através das
construções de instalações esportivas, obras de infraestrutura e através também
da mercadorização do esporte, ou seja, ampliando seus locais de aplicação. Na
última década, o eixo dos megaeventos tem sido girado para os países
subdesenvolvidos, visto que estes têm maiores carências na estrutura de
aeroportos, rodovias e instalações esportivas; precisando, assim, de uma maior
quantidade de obras de infraestrutura para se adaptar aos padrões FIFA e COI do
que os países desenvolvidos. Dessa maneira, os Estados Nacionais dos países
periféricos acabam deslocando verbas para a iniciativa privada (nacional e
internacional) em colossais proporções.
As últimas estimativas apontam que os gastos com a
Copa do Brasil ultrapassarão os 30 bilhões de reais, dos quais mais 85% são de
dinheiro público, enquanto a estimativa inicial era de até 26 bilhões. Há quem
diga que esses gastos podem superar os das três últimas Copas (Japão, Alemanha
e África do Sul) somados.
A justificativa oficial para legitimar a vinda dos
megaeventos e os seus gastos abusivos do dinheiro público gira em torno dos
supostos legados que este poderia trazer para a população brasileira.
Isso legitima que o país realize obras que durariam décadas em um curto
período de tempo, colocando uma boa visibilidade ao país a nível mundial e,
supostamente, deixando “legados” para a população local, como a melhoria da
infraestrutura e mobilidade urbana, rodovias, aeroportos, etc. Entretanto,
estas aconteceram em número extremamente reduzido em relação ao planejamento
inicial e em sua maioria nos locais estratégicos para a realização da Copa, não
de acordo com as necessidades da população.
Em linhas gerais, a vinda dos megaeventos segue a
risca a cartilha Neoliberal dos governos PSDB e PT, na medida em que as obras
financiadas com o dinheiro público serão entregues aos grandes empresários para
que esses possam extrair lucro. Todos os estádios da Copa serão privatizados
após os jogos (lembrando que três deles já estão privatizados: Itaquerão em São
Paulo, Beira Rio em Porto Alegre e Arena da Baixada em Curitba) apesar de 90%
dos gastos com os estádios advirem dos cofres públicos).
Um dos primeiros contrapontos aos Megaeventos pode
ser constatado em meados do ano passado durante a Copa das Confederações:
muitas pessoas indo às ruas, aparentemente insatisfeitos unicamente com a má
qualidade do transporte público, mas que se torna um movimento de massa
agregando as mais diversas pautas, inclusive a contrariedade à Copa do Mundo.
Estas mobilizações, mais que um simples levante espontâneo, são um
ressurgimento das mobilizações no nosso país depois de mais de uma década
neoliberal do governo PT.
Como forma de conter as mobilizações, o Estado e os
seus governantes vêm apostando todas as suas fichas no seu poder repressor,
expressos na “leis antiterrorismo” e no investimento absurdo do patrimônio
público: 1,9 bilhões em equipamentos, transporte e custeio de um contingente de
157 mil soldados para garantir a realização da copa. Tudo isso somado à isenção
de 1 bilhão de reais garantidos pelo Estado brasileiro, que garantirá que a
FIFA e os seus megaempresários tenham o maior lucro da história de todas as
Copas
Embora não tenham se repetido as grandes
manifestações do ano passado, esse ano vimos o ascenso de várias categorias de
trabalhadores organizados que há muito não se movimentavam, e muitas vezes
contra suas próprias direções. Podemos dizer que toda aquela quantidade de
manifestantes vista ano passado começa a dar sinais que pode se transformar em
qualidade, onde as reinvidicações estão bem mais claras, estão focadas na luta
contra a extração de mais valia e as organizações tradicionais da classe
trabalhadora como os partidos e os sindicatos não são rechaçadas.
Estamos cientes que todo estudante que ler esse
texto tem alguma insatisfação com sua formação, seja o transporte, com o
restaurante universitário lotado, no currículo que não atende as nossas
necessidades profissionais, na falta de professores e muitos outros, e pode
ficar a pulga atrás da orelha: “o que isso tem a ver com os megaeventos?”. É
difícil fazer esse exercício de “juntar” fatos aparentemente sem relação, mas é
preciso, pois, um ajuda a entender o outro. Os recursos tão necessários para
garantir uma educação com o mínimo de qualidade estão sendo onerados nas
construções de gigantes inúteis, inúteis ao menos para os nossos objetivos, mas
um grande negócio para a FIFA e seus sócios.
Diante da constatação desses elementos da
conjuntura, megaeventos como lógica destrutiva, o sucateamento da educação, a
intensa repressão policial e ao mesmo tempo uma retomada das greves e da rua
como local de reinvindicação dos trabalhadores, aparentemente poderíamos não
relacionar todos esses fatos, mas no atual cenário essa ligação entre eles é
evidente. Fica a questão: o que exatamente cabe à nós estudantes nesse momento?
Qual nossa real capacidade diante desses acontecimentos? E, sabendo das nossas
capacidades, qual é a nossa tarefa?
Primeiro devemos medir nossas forças, há uma
condição histórica que limita nossas ações, vejamos quanto transtorno causa aos
patrões uma greve de trabalhadores rodoviários, em poucos dias o impacto é
tremendo, e uma greve de estudantes, podemos citar o caso concreto da recente
greve na UECE (Universidade Estadual do Ceará), durou três meses até os
estudantes conseguirem negociar com o governo do Estado, e ainda assim, poucas
reivindicações foram atendidas. Percebemos assim, que os as conquistas
estudantis sem o conjunto da classe tendem a ser curtas, que a conquista final
se dá com o triunfo do conjunto da classe.
Outro limite é conjuntural, pois hoje os estudantes
encontram-se fragmentados sem nenhuma entidade nacional que consiga nos
agrupar, e fazer valer nossas reivindicações, dizendo de outra maneira “não
podem se vestir com nossos sonhos” logo, não podemos admitir que “falem em
nosso nome”, mas, se o problema é não termos uma entidade, fica questão por que
não criamos uma? Por que não é um simples ato de vontade, se criarmos um
instrumento que não seja construído com o conjunto dos estudantes essa nova entidade
pode se limitar à ser mais uma logomarca e um adesivo, e nossas necessidades de
organização vão além desses adornos.
O panorama é este, um limite histórico nos coloca
como coadjuvante nas lutas, pois nossa força máxima só aparecerá junto à classe
trabalhadora, e outro – conjuntural -nossas poucas forças estão fragmentadas e
por isso não conseguimos ser relevantes, mas esses limites não querem dizer que
há tarefas a serem cumpridas, entendemos que o caminho mais sólido, porém o
mais difícil para superar, é o que chamamos de trabalho de base.
Por trabalho de base entendemos a atuação cotidiana
nos nossos locais de estudo, pois só compartilhando diariamente os problemas
vividos pelos nossos colegas é que entenderemos quais as demandas que podem
impulsionar a luta, mas isso só não basta, é necessário estudar para entender
melhor a realidade, entender o projeto de educação que está sendo implementado
e a quais interesses ele serve, entender que educação na qualidade que sonhamos
não se realiza nessa sociedade, por isso devemos lutar também por outra
sociedade, é preciso socializar com os nosso colegas as conclusões de nossos
estudos por diversos meios, em conversas no corredor, em textos publicados no
curso ou em grupos de estudo.
Cotidianamente precisamos conversar com nossos
colegas sobre as dificuldades e os problemas que enfrentamos na
universidade. Trabalhar as questões cotidianas com os colegas é fomentar
as reflexões sobre o curso, a universidade, sobre o que ele está fazendo ali. É
através dessa conversa, de espaços que debatam temas pertinentes, que o
estudante começa a perceber que os problemas que pareciam ser só dele ou do seu
grupo de amigos na verdade são de todos os estudantes, em todas as
universidades. A culpa disso é esse projeto de educação superior minimalista e
temos que dar uma resposta a isso. Temos que dizer um grande não a esse ensino
precarizado, quantas vezes for necessário.
As jornadas de junho mudaram a conjuntura
brasileira. A discussão política volta a interessar a juventude. Esse fato
evidencia que a tarefa do momento é continuar a conscientizar nossos colegas, a
estudar mais sobre como essa sociedade funciona, a pensar melhor que caminho
devemos seguir, e, principalmente, a se colocar em movimento pela luta por uma
sociedade que não haja exploração do homem pelo homem, e que o esporte não seja
mais um evento na televisão e sim faça parte da vida de todo trabalhador. Só
assim futuras Copas serão realmente do povo e para o povo.
Este texto foi produzido pela Articulação Nacional, composta por:
Coletivo Outros Outubros Virão
Coletivo Lutar e Construir
Coletivo Resistência Socialista
Coletivo Contra Corrente
¹ Folha de Italva – 11/04/14
² Globo Esporte – 30/01/14
³ Portal Popular da Copa – 19/02/14
² Globo Esporte – 30/01/14
³ Portal Popular da Copa – 19/02/14
Então galera,
ResponderExcluir...Excelente texto. Parabéns a todos que o construíram.
...Sucesso.